quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os lados da língua


Em 2005, Amilcar Bettega ganhou o maior prémio para literatura de língua portuguesa. Quatro anos depois, está em Portugal para promover a edição portuguesa do livro que lhe valeu o Prémio PT, “Os Lados do Círculo”.
Tímido, Bettega nem parece que nasceu no estado do Rio Grande do Sul, onde as exuberantes manifestações de virilidade são comuns e viraram piada nacional. Feito engenheiro para a vida, foi desviado para o mundo da literatura por um outro escrito, Luiz Antônio Assis Brasil. “Lembro-me perfeitamente dele e destacava-se bem dos restantes. É um óptimo escritor e faz parte de uma geração que passou pelas oficinas de escrita, que desenvolvo há muitos anos”, explica o escritor e professor gaúcho.
Para Amilcar Bettega estas oficinas de escrita literária abriram um caminho novo, “foi aí que percebi que a engenharia não era a saída, por isso é que comecei bastante tarde a escrever”.
A forma como trata a literatura faz lembrar um mítico personagem de Herman Melville, Bartleby, discreto e assumindo de forma pesada a responsabilidade da escrita. É certo que não vai tão longe quanto este personagem, ninguém o ouve dizer “preferia não o fazer” quando desafiado a escrever. No entanto sente-se que não leva a tarefa a brincar, “pelo contrário, levo muito a sério a escrita e não me imagino a escrever um romance só porque o editor acha que se vende melhor um romance, do que um livro de contos”, remata.
Está contente com a publicação de “Os lados do Círculo”, em Portugal, ainda que não esconda que o esperava ter feito muito mais cedo. “Quando ganhei o Prémio PT, que é atribuído por uma empresa portuguesa, imaginei que seria inevitável a publicação em Portugal. O facto é que se foi passando o tempo e ela não acontecia. Aconteceu agora e estou muito satisfeito”, explica o autor que faz parte de uma nova aposta da Caminho na literatura brasileira contemporânea, com nomes como Daniel Galera ou João Paulo Cuenca.
Radicado em França, onde dá aulas na Sorbonne, Bettega confessa que não consegue acompanhar muito de perto a literatura brasileira e portuguesa contemporânea, “tenho acesso a pouca coisa, já li algumas coisas dos nossos padrinhos (José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares e Ondjaki), mas não conheço bem a obra deles”. Em Portugal, estes três jovens escritores brasileiros estão a ser apresentados por dois jovens autores portugueses e um angolano, apesar da enorme proximidade de idades, parece não existir um elo geracional. “Não sinto que tenhamos um tema geracional que nos mova. Não há nada, suficientemente, forte que possa dar substância a qualquer movimento de geração”, explica o autor que não encontra nas propostas formais qualquer ponto de contacto particular, “o facto de haver uma maior tendência para escrever na primeira pessoa acho que é perfeitamente natural. Se existe uma maior tendência para o registo auto-biográfico é normal. Tendemos sempre a falar do que conhecemos melhor”.
No entanto, não foi isso que aconteceu quando foi convidado a viver, por um mês, numa cidade, algures no mundo, e escrever um romance a partir dessa experiência. “Calhou-me Istambul, o que resultou dessa experiência não tem nada de “cor local”. Naturalmente que há ruas, que há locais de Istambul, mas escrevi um romance sobre a vida numa cidade, não um retrato de uma determinada cidade”. Os seus actuais companheiros de viagem em Portugal também participaram no desafio. Daniel Galera viajou para a vizinha Buenos Aires e João Paulo Cuenca para Tóquio.
Sobre o livro que agora promove, diz que se trata da resposta literária a uma ideia de circularidade. Pegando na estrutura circular que, muitas vezes, habita o conto, Amilcar Bettega estendeu-a à vida nas cidades, espelhando os círculos em que vivemos fechados.
Num mundo em que a globalização parece estender, infinitamente, o círculo do nosso horizonte, o ser humano vai fechando cada vez mais o seu círculo, diminuindo o contacto pessoal e social. “Neste livro eu queria juntar essa duas realidades, a realidade circular da forma do conto com uma certa realidade urbana contemporânea. As histórias acontecem em Porto Alegre, mas muitos dos meus amigos não reconhecem a cidade, ainda que cite nomes de ruas e pracetas. É uma visão muito pessoal da realidade e da cidade enquanto espaço”.

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