quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Paciência de Job




Caim
José Saramago
Caminho
15 euros


“Caim”, o novo romance de José Saramago, leva três dias vida e quatro de acirrada polémica, um fenómeno que só se justifica pelo facto de se reunirem, debaixo do mesmo título, o vencedor do Nobel e a Bíblia.
Tal como Saramago sou ateu, mas de uma ala do ateísmo que se está mesmo, mas mesmo, nas tintas para razoabilidade do imaginário religioso de católicos ou judeus. O autor de “Jangada de Pedra” é um daqueles ateus que não vive bem com o facto de fazer parte de uma cultura judaico-cristã que enforma, quer se queira quer não, todo e qualquer cidadão português, seja ele ateu ou agnóstico.
Perder tempo com esta polémica é isso mesmo, perda de tempo. Entre mortos e feridos ninguém se salvará.
Centremos pois a atenções no livro. Pilar de Rio, jornalista e mulher do autor, anunciou “Caim” como “literatura em estado puro”. Efectivamente, trata-se de uma obra de literatura em estado puro, se por puro entendermos o seu carácter pueril e bastante básico.
“Caim” é, sem grande margem para dúvidas, o pior livro de José Saramago. No momento de entrega do prémio com o seu nome a João Tordo, o Nobel advertiu o jovem escritor para o facto de a literatura ser feita de “70% de linguagem”. Se Saramago não falha nesses 70% de linguagem, em Caim, já nos restantes 30% o resultado chega a ser miserável.
Saramago tenta provar a falta de razoabilidade do Antigo Testamento, socorrendo-se da exposição das suas incongruências ao absurdo.
O romance parte da criação de Adão e Eva, mas centra especiais atenções no episódio da morte de Abel por seu irmão Caim. Caim é então condenado a errar pelo mundo, uma condenação que Saramago apoda de leve, por deus sentir que tem culpa no cartório. Daí para a frente teremos um Caim ressabiado a percorrer o mundo e os tempos e a confrontar-se com episódios emblemáticos do “Velho Testamento”, a saber: o sacrifício de Abraão, Sodoma e Gomorra, as penas de Job ou a famosa arca de Noé. Em todos os momentos o autor revela futilidade, manifesta falta de subtileza e uma muito pueril concepção dos textos religiosos.
Tudo em “Caim” é demasiado fácil, sejam as piadolas, as denúncias de crueldade ou desfasamento entre a omnisciência de deus e o seu real conhecimento do que se passa no mundo.
A análise literal da Bíblia é um exercício que desmerece a inteligência de Saramago e ridiculariza “Caim”.
Tão triste como esta obra, que não coloca em causa a obra de um dos maiores escritores portugueses, é o argumentário de algumas luminárias católicas. Atacar as ideias de Saramago ser ler o livro, apelar à renúncia da cidadania do Nobel está ao nível da qualidade literária de “Caim”. Em vez de partirem para uma discussão estéril, sobre se a Bíblia é um “manual de maus costumes”, os católicos ganhavam mais em discutir a qualidade intrínseca deste “Caim”. Aí, sim, ganhariam. Neste caso, e ao contrário do “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, a vitória sobre Saramago parece-me clara e inevitável.

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Apesar de ainda não ter lido a obra,ser católica,acabo de certa forma estar de acordo com esta análise, e mais acho ridículo todo este invólucro em redor de tal livro,1ºa comunicação social regozija se de trabalho, que lhe da prazer, pois isto não passa de mais um caso mediático, de um lado o autor com mais uma obra, que demonstra a sua liberdade e capacidade para escrever algo que o faz feliz,porque em tom de "romance" vai dizendo o que pensa de outro lado as religiões e afins que não se sabem defender porque perdem os argumentos cedo, não usam da esperteza de saber responder, limitam se a atacar.
Em breve leio a obra, e nao pedirei "perdão".

Cristiana Silva

21 de outubro de 2009 às 21:41  
Anonymous Anônimo disse...

A ler, leio a história verídica, a bíblica!
E não é perda de tempo manifestar, a esse senhor, desagrado pelas palavras infelizes que proferiu. Mal acostumado anda ele! Continua com o rei na barriga... enfim... Que eu, pelo menos, saiba ser humilde. E tu também podias ser um bocadinho mais ;) abraço

24 de outubro de 2009 às 02:04  
Anonymous Anônimo disse...

Gostei muito de Caim. Principalmente das "piadolas". O que Saramago ridiculariza, na verdade, já é ridículo. Nada tenho contra as escrituras bíblicas, mas sim contra isto nos ser efiado goela abaixo como a mais pura verdade: "acredite, se tens fé!". Achei muito inteligente a forma como ele demonstra esses absurdos com um questionamento quase infantil, que é o que fazemos quando crianças, pois já temos noção que tais histórias, se veraddeiras, seriam absurdas. E o autor expressa isso de forma muito divertida neste livro. Ó questionamento da existência de Deus fica em segundo plano, a crítica principal é pelo modo como Deus nos é imposto e como nos submetemos a isto sem questionar. Mais uma vez, ele está de parabéns!

29 de junho de 2010 às 18:49  

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