quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Leituras (2)


Rakushisha
Adriana Lisboa
Quetzal
180 páginas
****

Ainda no universo dos romances curtos – num tempo em que a escrita parece só fazer sentido das 400 páginas para cima – deixo como sugestão a leitura de “Rakushisha”, de Adriana Lisboa.

Despertamos para esta autora brasileira no exacto momento em que venceu o Prémio José Saramago, com “Sinfonia em Branco”. Daí para cá tem vindo a solidificar uma legião de leitores apaixonados. Adriana está de regresso ao mundo da poesia como leitmotiv do romance. Em “Um beijo para Columbina”, um poema de Manuel Bandeira serviu para desencadear e nortear a acção. Desta vez, somos levados a seguir os diários do poeta Matsuo Bashô, através de um casal que se conhece, acidentalmente, numa carruagem do metro.

Expoente máximo de uma poesia concisa, haikai, Bashô viveu em Kyoto, na Casa dos Diospiros Caídos (Rakushisha). O casal Celina e Haruki vai conhecer-se e conhecer Kyoto à luz desta poesia, como se fosse um hikebana literário.

Este é um romance que pode ser lido como um belíssimo poema. Um poema em que conhecemos, ao mesmo tempo, um Japão moderno, um casal e a poesia de Bashô. O editor garante que este pode ser um romance haikai, se assim fosse poderíamos sintetizá-lo com as palavras de Bashô: “Neve sobre neve/ Nesta noite de Novembro/ A lua cheia”.


Leituras (1)

Pedra-de-paciência

Atiq Rahimi

Teorema

114 páginas

*****

Pode um desconhecido ganhar um grande prémio literário com um romance de 100 páginas? Em Portugal não, mas num outro país mais civilizado é possível. Aconteceu isso em França. O muito ilustre Goncourt foi atribuído a Atiq Rahimi, um afegão há muito radicado em França, pelo seu “Pedra-de-Paciência”.

Este quarto romance, na carreira do escritor, fotógrafo e cineasta, é o primeiro escrito directamente em francês.

Um combatente afegão está deitado no chão, em estado comatoso. O resto é o desespero da mulher que o tenta manter vivo, ao mesmo tempo que ele acorde.

Num país dividido por um guerra fratricida, cuidar de um homem em coma é uma tarefa quase impossível.

Tal como as tragédias gregas, neste romance partimos de um acontecimento particular para pensar toda uma cultura e civilização.

As angústias, sonhos desfeitos e pecados confessados servem para uma reflexão profunda sobre um universo que nos habituamos a censurar e sobre o qual tão pouco sabemos.

O homem, a pouco e pouco, transforma-se numa pedra-de-paciência. Uma pedra a que, de acordo com o mundo muçulmano, se vão confessando segredos e desejos. A pedra vai absorvendo as confissões até ao dia em que, de tão cheia, se parte. Nesse momento os pecados, angústias e medos desaparecem.

Navegando num terreno marcado pelas tragédias clássicas ou pela “Voz Humana” de Jean Cocteau, Atiq Rahimi constrói um romance poderoso e de uma violência desmedida. Tudo isto no curto espaço de 100 páginas.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os lados da língua


Em 2005, Amilcar Bettega ganhou o maior prémio para literatura de língua portuguesa. Quatro anos depois, está em Portugal para promover a edição portuguesa do livro que lhe valeu o Prémio PT, “Os Lados do Círculo”.
Tímido, Bettega nem parece que nasceu no estado do Rio Grande do Sul, onde as exuberantes manifestações de virilidade são comuns e viraram piada nacional. Feito engenheiro para a vida, foi desviado para o mundo da literatura por um outro escrito, Luiz Antônio Assis Brasil. “Lembro-me perfeitamente dele e destacava-se bem dos restantes. É um óptimo escritor e faz parte de uma geração que passou pelas oficinas de escrita, que desenvolvo há muitos anos”, explica o escritor e professor gaúcho.
Para Amilcar Bettega estas oficinas de escrita literária abriram um caminho novo, “foi aí que percebi que a engenharia não era a saída, por isso é que comecei bastante tarde a escrever”.
A forma como trata a literatura faz lembrar um mítico personagem de Herman Melville, Bartleby, discreto e assumindo de forma pesada a responsabilidade da escrita. É certo que não vai tão longe quanto este personagem, ninguém o ouve dizer “preferia não o fazer” quando desafiado a escrever. No entanto sente-se que não leva a tarefa a brincar, “pelo contrário, levo muito a sério a escrita e não me imagino a escrever um romance só porque o editor acha que se vende melhor um romance, do que um livro de contos”, remata.
Está contente com a publicação de “Os lados do Círculo”, em Portugal, ainda que não esconda que o esperava ter feito muito mais cedo. “Quando ganhei o Prémio PT, que é atribuído por uma empresa portuguesa, imaginei que seria inevitável a publicação em Portugal. O facto é que se foi passando o tempo e ela não acontecia. Aconteceu agora e estou muito satisfeito”, explica o autor que faz parte de uma nova aposta da Caminho na literatura brasileira contemporânea, com nomes como Daniel Galera ou João Paulo Cuenca.
Radicado em França, onde dá aulas na Sorbonne, Bettega confessa que não consegue acompanhar muito de perto a literatura brasileira e portuguesa contemporânea, “tenho acesso a pouca coisa, já li algumas coisas dos nossos padrinhos (José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares e Ondjaki), mas não conheço bem a obra deles”. Em Portugal, estes três jovens escritores brasileiros estão a ser apresentados por dois jovens autores portugueses e um angolano, apesar da enorme proximidade de idades, parece não existir um elo geracional. “Não sinto que tenhamos um tema geracional que nos mova. Não há nada, suficientemente, forte que possa dar substância a qualquer movimento de geração”, explica o autor que não encontra nas propostas formais qualquer ponto de contacto particular, “o facto de haver uma maior tendência para escrever na primeira pessoa acho que é perfeitamente natural. Se existe uma maior tendência para o registo auto-biográfico é normal. Tendemos sempre a falar do que conhecemos melhor”.
No entanto, não foi isso que aconteceu quando foi convidado a viver, por um mês, numa cidade, algures no mundo, e escrever um romance a partir dessa experiência. “Calhou-me Istambul, o que resultou dessa experiência não tem nada de “cor local”. Naturalmente que há ruas, que há locais de Istambul, mas escrevi um romance sobre a vida numa cidade, não um retrato de uma determinada cidade”. Os seus actuais companheiros de viagem em Portugal também participaram no desafio. Daniel Galera viajou para a vizinha Buenos Aires e João Paulo Cuenca para Tóquio.
Sobre o livro que agora promove, diz que se trata da resposta literária a uma ideia de circularidade. Pegando na estrutura circular que, muitas vezes, habita o conto, Amilcar Bettega estendeu-a à vida nas cidades, espelhando os círculos em que vivemos fechados.
Num mundo em que a globalização parece estender, infinitamente, o círculo do nosso horizonte, o ser humano vai fechando cada vez mais o seu círculo, diminuindo o contacto pessoal e social. “Neste livro eu queria juntar essa duas realidades, a realidade circular da forma do conto com uma certa realidade urbana contemporânea. As histórias acontecem em Porto Alegre, mas muitos dos meus amigos não reconhecem a cidade, ainda que cite nomes de ruas e pracetas. É uma visão muito pessoal da realidade e da cidade enquanto espaço”.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Anacronismos



"No tempo em que eu fingia que levava as coisas a sério, achava que a humanidade se dividia em duas espécies de pessoas: as que dividem a humanidade em duas espécies de pessoas e as que não dividem. Entre as que dividem a humanidade em duas espécies de pessoas, convenci-me de que a humanidade se divide em duas espécies de pessoas: as que fingem que se levam a sério e as que fingem que não se levam a sério". - Ruy Castro, in "Ungáua!"

Ruy Castro tem novo livro, não cá, no Brasil. É uma recolha de crónicas publicadas na Folha de São Paulo, na "Página 2", que ele baptizou de "Ungáua!". Mas o pretexto deste post não vai para o lançamento deste livro, mas para outros, desconhecidos, entretanto já publicados. Cronistas como Paulo Francis, Ivan Lessa ou Diogo Mainardi são gente estranha para a nossa gente e no entanto são do que melhor se pode imprimir. Mainardi ainda nos foi chegando pelo GNT, no "Manhattan Connection", já o seu volume de crónicas "A tapas e pontapés" não conseguiu atravessar o Atlântico. Por falar nisso o meu exemplar voou para as mãos do Mário Augusto e não mais voltou. O Ivan Lessa, há muito radicado em Londres, onde trabalha para a BBC, poucos ouviram falar dele. Se o primeiro volume de crónicas "O Luar e a Rainha" não foi por cá editado, não há esperanças que "Gip! Gip! Nheco! Nheco!" conheça sorte diferente. Mas mais triste ainda é a falta de contacto com os clássicos, seja Paulo Francis ou Rubem Braga. É certo que Abel Barros Baptista escolheu uma mão cheia de cronistas para um dos volumes da sua biblioteca, mas é curto. Falta uma relação mais próxima com Nelson Rodrigues e muitos outros para que, por exemplo, a crónica desportiva portuguesa (se é que existe isso) dê um salto qualitativo. Entretanto já saiu mais uma recolha de crónicas de Luis Fernando Veríssimo, mas esse, mais cedo ou mais tarde, tem edição garantida deste lado. Prioridades.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Presidente Negro


A fotografia é de Monteiro Lobato (São Paulo 1882-1948), escritor brasileiro, conhecido por uma série de livros infantis, cujas histórias se centravam num mítico "Sítio do Pica-pau Amarelo".
Para a posteridade deixou apenas um romance para "adultos", "O Choque das Raças ou o Presidente Negro".
Em 1926, Monteiro Lobato imaginava um momento em que os americanos se veriam a contas com a escolha, para dirigir a Casa Branca, entre um candidato branco, uma mulher e um negro.
A divisão entre os caucasóides e as feministas dita a vitória do candidato negro. Tudo isto acontecia no longínquo ano de 2228. Acreditava o autor que por essa altura os jornais chegavam a casa das pessoas numa espécie de caracteres luminosos impressos nuns muros especiais.
O romance não segue o tom messiânico que ilumina Obama, pelo contrário, explica como, de uma forma inteligente e discreta, a falange branca desenvolve a sua limpeza étnica.
Explique-se que Monteiro Lobato não era uma pessoa recomendável, fã das teorias da superioridade racial e da eugenia, o escritor acabou por "usar" os brancos norte-americanos como instrumento das suas ideias.
Para ele a miscigenação brasileira tinha dado origem a um bando de Quasimodos, que se espalhava rapidamente pelo país.
Com as devidas reservas intelectuais este livro merece uma leitura, quanto mais não seja para tentar perceber em que medida as previsões de Lobato só acertaram na eleição de Obama e no aparecimento da Internet.
Naturalmente, não existe uma edição portuguesa. A única disponível é brasileira, com a chancela da Globo.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Uma questão de prestígio


Deve um autor sair prestigiado pela atribuição de um prémio ou, pelo contrário, deve um prémio sair prestigiado por se eleger alguém com nome feito?
Esta é uma questão que parece não estar muito bem resolvida, pelo menos em alguns dos galardões nacionais.
Há uma clara tentação de fazer associar o prémio a um nome com inquestionável e firmado mérito literário, como se isso conferisse ao mesmo uma maior respeitabilidade.
Os grandes prémios literários há muito que resolveram essa questão, se é que alguma vez ela se colocou.
Alguém conhecia o Atiq Rahimi antes de vencer o Goncourt? Alguém conhecia o Aravind Adiga antes de vencer o Man Booker? Assim como ninguém conhecia o Amilcar Bettega quando, em 2005, venceu o Prémio PT.
Ainda que tenha sido alvo de muitas críticas, o Prémio Leya resistiu a essa tentação ao premiar Murillo António de Carvalho, um verdadeiro desconhecido.
Premiar, por sistema, os nomes feitos ou que estão mais na moda converte o galardão numa homenagem. Era bom que os prémios servissem para alavancar uma carreira, não para a incensar.
Cristóvão Tezza, vencedor da última edição do PT, talvez tivesse que esperar muito tempo para ser publicado em Portugal, se não o tivesse ganho.
A este propósito, é também engraçado o facto de nunca termos ligado ao PT, até ao momento em que o Gonçalo M. Tavares o venceu. Os dois primeiros vencedores, de um prémio criado por uma empresa portuguesa, continuam a não estar editados cá. Mas sobre isto voltarei a escrever mais tarde.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A moeda certinha


Certinho, como faz sempre questão de ser, o prémio Correntes D'Escritas foi atribuído a Gastão Cruz.
Não sei se é a sua configuração bissexta - ora premiando só poesia, ora só prosa - ou uma tendência para a escolha politicamente correcta, que faz deste prémio "uma coisa em forma de assim". Sensaborão.
Mais uma vez tivemos uma decisão inodora e é pena.

“A MOEDA DO TEMPO
Distraí-me e já tu ali não estavas
vendeste ao tempo a glória do início
e na mão recebeste a moeda fria
com que o tempo pagou a tua entrada”

Gastão Cruz, Assírio & Alvim, 2006

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Uma geração dividida pelo mar

Esta noite, chegam à Póvoa três das mais jovens vozes literárias brasileiras, João Paulo Cuenca, Amilcar Bettega e Daniel Galera (na foto). A Caminho avança agora com redobrado vigor na edição de escritores brasileiros, isto depois de edições muitos espaçadas de Moacyr Scliar ou Paulo Lins. Umas das notas curiosas destes lançamentos, que se estenderão até ao fim de Fevereiro, centra-se na aproximação da jovem geração portuguesa (30-40) a esta vaga brasileira.
Assim, teremos Gonçalo M. Tavares ou José Luís Peixoto a protagonizar esta partilha geracional.
Com tempo, tentarei, na Póvoa, explorar esta partilha. Que une esta geração literária separada por tanto mar?

A indústria do crime não despede


O Diário de Notícias avança com a notícia do possível nascimento do Primeiro Comando de Portugal, uma versão pátria dos comandos do crime de São Paulo e Rio de Janeiro.
Para melhor entender estas empresas do crime, não há nada como ler dois dos melhores especialistas na matéria, Carlos Amorim e Caco Barcellos.
"CV_PCC- A Irmandade do Crime" é de Carlos Amorim e faz um retrato muito pormenorizado do nascimento destes dois blocos.
Partindo dos finais da década de 60 até 2003, percebemos como a junção, nas mesmas prisões e nas mesmas galerias, de criminosos de delito comum e presos políticos fez nascer uma nova geração do crime. É na prisão da Ilha Grande ou "Caldeirão do Diabo", que aparecem os criminosos instruídos pelos manuais de guerrilha urbana da esquerda revolucionária. Os mesmo que, mais tarde, contratam dezenas de advogados para servirem de correios entre estabelecimentos prisionais, planeando motins e fugas espectaculares.
São estes os criminosos que se instalam nos melhores bairros do Rio e São Paulo. Os mesmo que conseguem fugir de uma cadeia de segurança máxima de helicóptero.
Em 1994, Carlos Amorim publicou uma primeira versão deste livro, intitulada "Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado". Dez anos depois, publicou "CV_PCC- A Irmandade do Crime", pela Record. Um retrato muito fiel da realidade do crime no Brasil, que ao que parece quer lançar o seu primeiro franchise, em Portugal.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Na corrente


Já falta muito pouco para o arranque, na Póvoa, das Correntes D'escritas. Uma oportunidade, quase única, para rever alguns amigos e entrevistar alguns dos autores preferidos. Para quem gosta de literatura brasileira, a Póvoa é um dos raros espaços onde é possível um contacto pessoal com alguns dos autores por cá editados.
Só assim poderei reencontrar o Luiz Antônio Assis Brasil (em cima numa foto do Douglas Machado) ou conhecer pessoalmente o Amílcar Bettega, que entrevistei em 2005, logo após ter recebido o Prémio PT. Na época, ao Bettega ainda se seguia um Barbosa, que ele acabou por deixar cair. Durante os últimos anos, por várias vezes prometi que ia enviar ao Zeferino Coelho um exemplar do "Os Lados do Círculo" para ele ler e, se o entendesse, publicar.
Como em tantas outras coisas, acabei por nunca cumprir a promessa. Confesso. Não gosto muito de emprestar livros e isso é capaz de ter travado o cumprimento da promessa.
O facto é que a minha tenacinade em nada ajudou á publicação do livro. Pela Caminho. Pelas mãos do Zeferino.
Espero ainda ter tempo para conversar com o Eucanaã Ferraz e com o João Paulo Cuenca. Veremos.

Porque temos tão pouca sorte com os políticos?


Este vai ser o tema da primeira sessão do "Palavra que leio". Na Livraria Griffus, em Paredes, uma vez por mês convidarei alguém para debater um tema.
O convidado será desafiado a trazer dois livros: o livro da sua vida e a última boa leitura.
A propósito do tema, ou não, vão aparecer outros livros na mesa.
O meu primeiro convidado é professor de música e vereador sem pasta na câmara Municipal de Paredes, chama-se Ildebrando Coelho.
Consigo trará "Em nome da Terra", de Vergílio Ferreira, como livro da vida. A última boa leitura que fez foi "A Viagem do Elefante".

A sessão está marcada para a próxima sexta-feira 13, bem a calhar com o tema, e começa às 21.30.

Entre outros, eu levarei para a conversa o "Ortodoxia" de G. K. Chesterton, "Intelectuais", de Paul Johnson e "A Democracia que não há" de Paul Ginsborg.